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Desafios dos ISPs no combate às Box TVs clandestinas

A participação dos ISPs no combate ao gatonet
Raphaelle Timporim Militao Ferreira – integrante da equipe jurídica da VianaCom Foto: Divulgação

De janeiro a agosto de 2023, a Anatel confiscou 1,4 milhão de dispositivos de box TVs clandestinas e bloqueou 743 endereços de IP e 54 domínios. Isso mostra que a agência está combatendo o famoso “gatonet” com mais afinco dia após dia. Sua medida mais efetiva nesse sentido, porém, foi a criação, em setembro, de seu laboratório antipirataria que, dentre outros, em operação realizada em outubro, teria bloqueado 80% das box TVs que transmitiam sinal ilegal.

Em outubro a Anatel aplicou a primeira multa a uma pessoa física pela comercialização de Box TVs, ou dispositivo não homologado. Mesmo com a comercialização ainda acontecendo em alguns locais de São Paulo.

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A Anatel iniciou processos em seu Sistema Eletrônico de Informações (SEI) como parte de seu plano para combater o uso ilegal de decodificadores do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC). Através desses processos, a agência solicitou aos provedores de serviços de internet (ISPs) informações sobre os usuários conectados em horários específicos associados a determinados endereços IP. Em algumas ocasiões, essas solicitações incluem a identificação da porta de acesso utilizada.

IPv4 x IPv6

As investigações criminais muitas vezes enfrentam obstáculos devido ao uso generalizado entre os provedores de internet de menor porte do padrão IPv4. Através do CGNAT eles permitem várias conexões a partir de um único endereço IP. Embora essa prática seja uma escolha econômica para os provedores, pois permite o fornecimento de acesso a um grande número de usuários utilizando poucos blocos de IPs, ela apresenta várias desvantagens em comparação com seu sucessor, o IPv6. Em casos de investigações relacionadas a crimes, a principal dificuldade reside na identificação dos registros de atividades de um indivíduo específico.

Contudo, não é o que ocorre com as demandas que a Anatel tem encaminhado. Até por conhecer a realidade do mercado, as informações solicitadas pela agência referem-se a grupos de pessoas que estavam online em determinados horários e datas sobre um mesmo IP.

É importante que os ISPs efetuem a transição para o IPv6 o mais rápido possível. Além das dificuldades em rastrear e individualizar dados de indivíduos sob investigação judicial, o uso contínuo do IPv4 com CGNAT apresenta várias desvantagens em comparação com sua alternativa mais recente, o IPv6.

Uma das limitações é que a persistência no uso do padrão antigo pode restringir o potencial de mercado dos ISPs. Por exemplo, para empresas que dependem do Internet das Coisas (IoT), o IPv4 com CGNAT pode prejudicar a comunicação entre dispositivos. Além disso, o IPv6 oferece menor latência, o que é crucial em diversas aplicações, como manutenção preditiva.

A participação dos ISPs no combate às Box TVs Foto: StockSnap/Pixabay

Permanecer no padrão antigo, que oferece conexões de qualidade inferior, também representa uma desvantagem competitiva. Um estudo recente conduzido por Huawei, Anatel e Inatel destacou a rápida adoção do IPv6 no país. Entre abril de 2023 e fevereiro do ano seguinte, o uso do IPv6 entre os componentes do ecossistema da Internet no Brasil aumentou de 43% para 48%. Além disso, a escassez de blocos de IPv4 é um desafio.

Os desafios dos novos provedores

Segundo o NIC.br, a região da América Latina e Caribe esgotou esses blocos em 2020. Apesar de alguns deles retornarem ao mercado, a demanda continua alta. São mais mais de mil provedores na fila em março, aguardando por até 800 dias para serem atendidos. O órgão prevê que novos solicitantes só serão atendidos a partir de 2029.

Essa escassez resultou em uma prática de mercado que pode dificultar o atendimento das demandas da Anatel por parte dos provedores. Como o Registro.br limita o número de lotes de IPs fornecidos a cada empresa, alguns ISPs recorrem ao uso de um ou mais CNPJs para adquirir mais lotes do que o permitido pelo órgão para cada demandante. No entanto, algumas dessas empresas não têm autorização para fornecer serviços de Comunicação Multimídia (SCM) e, ao utilizar artifícios, conseguem obter lotes de IPs contornando as exigências do Registro.br.

Para esses casos, atender imediatamente às demandas da agência pode se configurar como autodenúncia. Nestas situações, é necessário buscar regularização antes de fornecer as informações solicitadas. Geralmente, a autarquia concede a autorização no mesmo dia do envio dos dados e documentos.

Os provedores devem atender às demandas da Anatel, assim como às do Poder Judiciário. As solicitações feitas pela Polícia Civil só são compulsórias se acompanhadas de determinações judiciais. No entanto, recomenda-se colaborar de acordo com a natureza do delito investigado, mesmo que o ISP nem sempre receba essa informação. Por exemplo, no caso de ameaças de ataques em escolas é essencial cooperar para evitar incidentes semelhantes.

Há também situações em que os investigadores informam que a investigação está relacionada a um sequestro em andamento. Exigir uma ordem judicial para divulgar um IP em casos como esses pode atrasar a captura de criminosos e colocar vidas em risco.

Os provedores são obrigados a se adequar à regulamentação que rege suas atividades. Isso, de acordo com a atuação da Anatel no combate à pirataria no fornecimento de conteúdos audiovisuais.

*Raphaelle Timporim Militão Ferreira é integrante da equipe jurídica da VianaCom.

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