Por Fabio Vianna Coelho (*) – SVAs sempre foram utilizados por ISPs para a prática do chamado “planejamento tributário”. Isso se dá basicamente de três maneiras: o aumento legítimo das receitas por meio da oferta de serviços disponibilizados via web, a classificação do provimento de acesso como SVA – que, embora conflita com regulamentos da Anatel, ainda possui base legal – e a atribuição fraudulenta de ganhos obtidos com o fornecimento de SCM à outra categoria, o que é classificado como elisão fiscal. Quase todas devem ser extintas em breve, o que leva as empresas a buscarem alternativas para pagar menos impostos.
A carga tributária existente hoje sobre SVAs é sensivelmente inferior à que recai sobre SCM. Os primeiros têm como principal imposto o ISS – que varia entre municípios, mas que gira ao redor dos 3% –, enquanto que sobre SCM há a incidência do ICMS – alíquotas de 17% a 22,5% –, além das contribuições compulsórias para FUST e FUNTTEL.
A definição do que é um SVA é clara: “atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações”, como estabelece o artigo 61 da LGT.
Esta, porém, diverge do que traz a Norma 4 em seu artigo 3º, que define SCI (Serviço de Conexão à Internet) como o SVA que “possibilita o acesso à Internet”. Contrária a esse entendimento, a Anatel estabeleceu, em sua Resolução 614/2013 que SCM é “o serviço fixo de telecomunicações que possibilita a oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia, permitindo inclusive o provimento de conexão à Internet”.
Apesar de a definição do regulador ser adotada pelas secretarias da Fazenda – que autuam constantemente provedores por conta do não recolhimento de ICMS –, muitos ISPs, amparados ou não por decisões judiciais, lançam as conexões fornecidas como SCI. Dessa forma, arcam com uma carga tributária muito inferior às de concorrentes que, sob a fiscalização do fisco de seus estados e da agência, não conseguem fazê-lo.
A fim de pacificar a questão, a Anatel anunciou que a Norma 4 será extinta em 2027. Entre os que se opõem à medida, prevalece o argumento de que ela não arbitra sobre SVAs – caso do SCI, cuja definição antecede a LGT, que criou a autarquia – e que ela não teria poderes para revogar a norma do Ministério das Comunicações. A Abrint já manifestou a possibilidade de judicializar a questão. Dessa forma, a proposta corre risco de não se concretizar. Além disso, no início de outubro, durante a Futurecom, Mozart Tenório Rocha, assessor da presidência da Anatel, afirmou que partes do processo poderão ser revistas, caso haja evidências de que possa gerar impactos não previstos.
Para provedores, a classificação interessa apenas por conta dos impostos que incidem sobre cada uma das categorias, os quais, havendo ou não o fim da Norma 4, serão unificados pela Reforma Tributária. A substituição gradativa do ISS e do ICMS ocorrerá entre 2026 e 2033, quando o novo IVA terá a mesma alíquota para SVAs e SCM.
Dessa forma, nos curto e médio prazos, quase todos os SVAs servirão apenas como diferencial competitivo para a conquista de clientes, perdendo qualquer utilização para fins tributários. Os que ainda conseguem burlar a crescente fiscalização de Anatel e de algumas secretarias da Fazenda não terão mais porque se valerem de artificialidades contábeis para atribuir ganhos obtidos com SCM ao fornecimento da outra classe de serviços.
Uma alternativa que continuará servindo para que empresas realizem o planejamento tributário é a oferta de livros digitais. Ainda que se caracterize como um SVA, possui carga tributária inferior à dos demais serviços de valor adicionado, o que não mudará.
O artigo 150 da Constituição prevê imunidade tributária a “livros, jornais e o papel destinado à sua impressão”. Mesmo a Reforma Tributária não altera a determinação da carta magna, que veta a União, estados e municípios instituir impostos sobre esses produtos.
Já a Súmula Vinculante 57 do Supremo Tribunal Federal estende o benefício à importação e comercialização no mercado interno de e-books e dos suportes utilizados em sua leitura. Como esse veredito deriva de uma ação que questionava a incidência do ICMS sobre a publicação de obra digitalizada por uma editora fluminense, demais estados e Distrito Federal ficam impedidos de cobrar o imposto sobre similares – apesar de alguns imporem diferentes exigências adicionais para tanto.
No âmbito dos municípios, à determinação constitucional, soma-se a característica do livro quando disponibilizado de forma definitiva (como fazem algumas prateleiras virtuais): trata-se de um produto. Não sendo serviço, fica isento do ISS.
O veto à incidência do imposto sobre esse tipo de oferta é reforçado pela Lei Complementar 157 que, dentre outros, inseriu inúmeros serviços no rol dos que são tributados pelo ISS. Ao listá-los, traz em seu anexo, a “disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos”.
Apesar do que determina a Constituição, a Receita Federal considera que apenas e-books destinados a deficientes visuais são isentos de PIS e Confins. A Justiça tem concedido decisões favoráveis a alguns dos que contestam essa posição. Mas, Independentemente desses impostos, a oferta de livros é hoje, em termos tributários, o SVA mais vantajoso para ISPs.
Para se valerem desses benefícios, provedores devem atentar a diferentes fatores. Um dos principais é a escolha de seus parceiros, particularmente quanto às características das obras que fornecem. A utilização da oferta de livros para fins de planejamento tributário demanda edições que possuem valor de mercado.
Para tanto, não podem ser disponibilizadas apenas por fornecedores desse tipo de SVA. É necessário que sejam comercializadas também por livrarias e outros comércios físicos e/ou virtuais. Isso se aplica também às obras em domínio público. Apenas dessa forma pode-se atribuir um valor verossímil para que o serviço represente, por exemplo, R$ 30,00 num pacote de R$ 100,00.
Somente obras que dispõem do ISBN (International Standard Book Number, que identifica publicações, editoras e vendedores) podem ser comercializadas. Portanto, para que a oferta de uma prateleira virtual possibilite a redução da carga tributária de provedores, é necessário também que todos os títulos ofertados possuam o padrão numérico.
Ainda que a reforma corrija algumas de suas distorções, o sistema tributário brasileiro permanecerá bastante complexo, particularmente no que se refere às telecomunicações. Dessa forma, a oferta de prateleiras virtuais ou demais SVAs por ISPs que buscam, dessa forma, pagar menos impostos requer atenção. Ainda assim, mesmo com as mudanças anunciadas ou já em curso, há alternativas legítimas que continuarão existindo.
(*) Fabio Vianna Coelho é sócio da VianaTel, consultoria especializada na regularização de ISPs, e do RadiusNet, software de gestão para provedores de Internet.
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