Os riscos tributários da oferta de streaming de vídeo


Crédito: Divulgação
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Bárbara Castro Alves e Maria Clara Souza Baroni (*)

A demanda por plataformas como Netflix, Amazon Prime, Disney+, dentre outras similares, faz o streaming de vídeo ser o serviço que mais cresce entre os ofertados por provedores regionais. Embora eleve o valor dos planos, a inclusão nos pacotes de televisão linear por assinatura na Internet é uma prática que demanda dos ISPs a realização prévia de estudo e planejamento tributário, adequação contratual cuidadosa e emissão de notas específicas, sem o que pode resultar em prejuízo fiscal para as empresas.

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Da mesma forma que como o antivírus, armazenamento em nuvem, hospedagem de e-mail, dentre outros fornecidos via transmissão pela Internet, o streaming de vídeo pode ser classificado como um Serviço de Valor Adicionado (SVA), o que, conforme a Lei Geral de Telecomunicações (n°. 9.472/97) é “a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações”.

Em outras palavras, trata-se de algo que é viabilizado pela conexão à Internet, à qual agrega funcionalidades, embora seja algo distinto do acesso à Web – este um Serviço de Comunicação Multimídia (SCM). Da mesma forma, o SVA possui carga tributária diferente, significativamente inferior, na qual não há incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Para empresas optantes pelo Simples Nacional, essas definições são praticamente irrelevantes. Neste regime tributário, a diferenciação é pouco notada, por conta da organização de cálculo, que resulta em alíquotas de ICMS que vão de 1,25% a 3,95%. Isso, no entanto, não exime os ISPs de descrever contratualmente os serviços ofertados e emitir notas específicas, sem o que estarão expostos a futuros passivos fiscais.

Ocorre que, seja pela expansão contínua do setor, seja pelo seu movimento de concentração, os provedores regionais têm migrado continuamente para outros regimes tributários. Assim como só se saberá se é mais vantajoso optar pelo Lucro Presumido ou pelo Lucro Real, só se deve ofertar Serviços de Valor Adicionado após a realização de um planejamento tributário. Sem isso, o acréscimo do serviço pode duplicar o valor das faturas e, ainda assim, gerar prejuízos aos ISPs.

Estados têm autonomia para a definição das alíquotas de ICMS, que variam de 25% – caso de São Paulo, Santa Catarina, entre outros – a 37% – Rondônia. Provedores de Internet devem recolher o tributo sobre o SCM – caso do fornecimento de conexão à Web. SVA’s não sofrem incidência do imposto – bem como de Fust e Funtel, contribuições voltadas para o setor de telecomunicações. Diversos municípios cobram ISS sobre esta categoria de serviço, com alíquotas que variam dentro de suas jurisdições conforme o fator gerador utilizado.

Em 09 de setembro de 2020, o conselho diretor da Anatel deliberou que a oferta de canais lineares na Internet (streaming de vídeo) é um Serviço de Valor Adicionado (SVA) e não Serviço de Acesso Condicionado (SeAC), não estando submetidos, portanto, às regulações da agência que definem cotas de conteúdo e canais obrigatórios, por exemplo. Entretanto, pouco se tem regulamentado sobre a classificação de atividades que configuram o SVA, o que pode implicar no recolhimento do ICMS retroativo caso não esteja bem estruturado e fique comprovada a artificialidade.

Uma forma de provedores se precaverem deste risco é caracterizar o streaming como SVA em novos contratos ou em aditivos aos já existentes. O SeAC é classificado, em norma da Anatel, como um “complexo de atividades que permite a emissão, transmissão e recepção, por meios eletrônicos quaisquer, de imagens, acompanhadas ou não de sons, que resulta na entrega de conteúdo audiovisual exclusivamente a assinantes”. Até este ponto, o streaming de vídeo pode ser enquadrado na categoria.

Ocorre que a mesma norma define que a Comunicação Audiovisual de Acesso Condicionado é composta pelas atividades de (I) produção, (II) programação, (III) empacotamento e (IV) distribuição. A caracterização de um SeAC demanda a configuração de cada um desses requisitos. Desta forma, ao fornecer plataformas de vídeo, provedores devem registrar contratualmente que empacotamento, programação e produção não integram sua oferta.

Há outras formas de provedores terem maior segurança para ofertarem streaming de vídeo, as quais passam sempre pelos contratos com seus clientes. Embora não resultem em garantia total de que a isenção de ICMS será mantida no futuro, a utilização de modelos que tragam descrições detalhadas do que foi contratado propicia que, em casos de questionamento, as empresas tenham como se defenderem. Tanto para isso quanto para a identificação da carga tributária incidente sobre um serviço – sem o que não é possível saber a partir de qual valor ele irá gerar lucro – é necessário que ISPs disponham dos serviços de boas assessorias especializadas em aspectos regulatórios de sua atividade. Sem isso, ofertas que geram ganhos hoje podem resultar em passivos – às vezes milionários – no futuro.


(*) Bárbara Castro Alves e Maria Clara Souza Baroni são, respectivamente, gerente de Processos Regulatórios e advogada integrante do Departamento Jurídico da Vianatel, empresa especializada na adequação legal de provedores de Internet.

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