*Por Bárbara Castro Alves – Durante a elaboração do Regulamento Geral de Direitos dos Consumidores de Serviços de Telecomunicações, no final de 2023, o conselheiro da Anatel Vicente Aquino apresentou um estudo segundo o qual 93,3% dos provedores de Internet existentes no país possuíam menos de 5 mil acessos. Empresas desse porte só puderam ingressar no mercado a partir de 2020, quando a Resolução 720 – mais especificamente seu artigo 3º – possibilitou que atuassem liberadas da exigência de outorga, algo que, na época, era bastante oneroso para PMEs.
Parte significativa das que se valeram do benefício, porém, ignorava ou não cumpria adequadamente suas obrigações regulatórias. Por conta disso, a agência, por meio do Plano de Ação para Regularização da Prestação do Serviço de Banda Larga Fixa, trazido pela sua Resolução Interna 449/25, passa a exigir que todas as operadoras obtenham a autorização até o dia 28 de outubro, caso contrário, terão seus registros excluídos do Banco de Dados Técnicos e Administrativos (BDTA) o que significa que não poderão mais atuar, ao menos, legalmente.
Embora seja seu ponto principal, a exigência de outorga está longe de ser o único trazido pelo plano, que prevê uma série de medidas voltadas ao combate à informalidade. Nesse sentido, produz efeitos desde seu anúncio.
Empresas que atuavam totalmente à revelia da agência passaram a buscar a regularização que, em muitos casos, tem de ser iniciada pelo cadastramento no sistema SEI da Anatel. Nele, terão de cadastrar um responsável legal ou autorizar um terceiro – consultorias regulatórias, o responsável técnico, por exemplo – que responderá por todas as interações com o regulador.
Já provedores que atuaram até aqui sob dispensa de outorga – e, desta forma, já estavam cadastrados no SEI da agência – terão de realizar basicamente ações burocráticas para obterem a autorização.
O representante legal ou o procurador deverá realizar o pedido de outorga no sistema Mosaico da Anatel. Por ele, encaminhará os registros das últimas alterações no contrato social e certidões que atestem que a empresa não possui débitos com a própria autarquia, com o FGTS, Receita Federal e Previdência. Muitos ISPs não têm conseguido iniciar o processo por estarem irregulares perante alguns órgãos, o que, se não for revertido logo, poderá inviabilizar a busca pela autorização.
Além do envio, os provedores devem realizar o pagamento de R$ 400,00 relativo ao Serviço de Interesse Coletivo. Por conta da procura, a conclusão do processo, que ocorria em aproximadamente cinco dias após o envio da documentação, está demorando, em média, 20. Ainda assim, não há grandes obstáculos para a obtenção da outorga.
Acessos e estações
Ocorre que o plano prevê também a criação de uma série de mecanismos para aumentar a fiscalização sobre os ISPs, particularmente no que se refere aos acessos fornecidos, que são reportados por meio da coleta mensal. Essas informações passam agora a ser monitoradas pelas superintendências de Outorga e Recursos e de Planejamento e Regulamentação. Provedores que fornecerem dados incorretos serão impedidos de obter autorizações para uso de radiofrequências e recursos de numeração, para transferência de outorga e controle societário e licenças para estações.
A subnotificação de acessos é uma das prioridades do plano. Conforme a 5ª edição do Guia das obrigações das PPPs, que tem como tema principal as determinações trazidas pela Resolução Interna 449, 55% das operadoras dispensadas de outorga não reportaram qualquer dado sobre conexões fornecidas entre janeiro de 2020 e setembro de 2024. Ainda que obtenham a autorização no prazo estipulado, essas empresas já foram mapeadas pelo regulador. Caso venham a encaminhar informações inconsistentes ou zeradas – prática comum no mercado – certamente, serão alvos iniciais das ações da agência.
Também serão analisados com lupa dados sobre estações, sejam elas dispensadas ou não de licenciamento. Isso, na verdade, acontece há tempos. Fonte original dessas informações, a coleta anual – assim como a semestral – tem motivado numerosos e constantes questionamentos da autarquia a ISPs. Num desses casos, diante da alegada inexistência de estações em operação, indagou sobre o porquê de uma empresa buscar autorização para uma atividade que não exerce.
Diferentemente dos dados sobre acessos – que serão enviados, corrigidos ou ratificados no sistema Coletas –, os que se referem às estações, no contexto do plano, deverão ser inseridos no BDTA.
Combate aos clandestinos
As reações iniciais já sinalizam a melhora da qualidade da base de dados da Anatel, que será mais significativa se as medidas previstas forem, de fato, executadas. Mesmo assim, as maiores expectativas quanto aos efeitos que o plano poderá gerar referem-se ao combate aos clandestinos – entre os quais, em breve, haverá provedores que atuavam dispensados de outorga e que não obtiveram suas autorizações. A partir de iniciativas aparentemente simples e interligadas, esse tipo de atuação poderá ser inviabilizado.
Nesse sentido, empresas que fornecem soluções necessárias ao SCM, como interconexão, só poderão atender ISPs que comprovem ser outorgados. Já as que detêm infraestruturas – redes e outras que viabilizam as conexões – terão de encaminhar à Anatel a relação dos que as utilizarem, o que possibilitará à agência identificar provedores que, mesmo não estando cadastrados no BDTA, permanecem atuando.
Com o artigo 3º de as Resolução 720 – agora cautelarmente revogado –, a Anatel possibilitou que provedores com até 5 mil acessos ingressassem no mercado sem terem de obter suas outorgas, o que, na época, implicava em um processo burocrático e moroso. Desta forma, possibilitou tanto a rápida expansão da Internet no país – particularmente em regiões que não despertavam o interesse comercial de grandes teles – quanto a proliferação de empresas incapazes ou pouco afeitas ao cumprimento de regulamentos e leis.
O plano chega para coibir esse tipo de atuação. Não conseguirá eliminar todas as mazelas do mercado, o que, entre outros, deve-se à atribuição parcialmente equivocada de sua autoria. Uma das justificativas citadas pela agência para a realização dessas ações, a ocupação irregular de postes não é exercida exclusivamente por ISPs de menor porte. Se fosse, o emaranhado de fiação aérea não seria observado em metrópoles, onde as conexões de banda larga são fornecidas quase que exclusivamente por grandes teles. Mas, desde já, apresenta resultados quanto a seu objetivo principal: o combate à informalidade.
(*) Bárbara Castro Alves é gerente de assuntos regulatórios da VianaTel, consultoria especializada na regularização de ISPs.
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